Na Amazônia, o São João é perfumado: conheça a tradição do banho de cheiro que atrai amor, sorte e prosperidade

No dia 24 de junho, quando São João é celebrado em todo o Brasil como o santo dos pedidos amorosos e casamentos prometidos, a Amazônia resgata uma tradição que perfuma o corpo e fortalece o espírito. Em Belém do Pará, a festa junina também passa pela pele — com o banho de cheiro, ritual ancestral feito com ervas da floresta e sabedoria popular.

A prática, que atravessa gerações e carrega influências indígenas, caboclas e africanas, ganha força nesta época do ano e se espalha especialmente pelo Ver-o-Peso, a maior feira a céu aberto da América Latina e símbolo vivo da cultura paraense. Entre aromas de ervas frescas e essências naturais, as barracas se enchem de fregueses em busca de sorte, proteção, limpeza espiritual — e, claro, amor.

Enquanto o casamento simbólico é destaque em outras festas juninas, na Amazônia os pedidos vão além. São mais de 50 tipos de banhos, com nomes como abre-caminho, atrai-amor, chega-te-a-mim, sai-azar e dinheiro no bolso. Cada um preparado com um mix específico de folhas, raízes e intenções.

“Cada planta tem uma força. E quem prepara o banho com fé, sabe que ele limpa a alma, protege e atrai coisa boa”, explica dona Beth Cheirosinha, erveira que há mais de 50 anos mantém a tradição no Ver-o-Peso.

 

Cheiro, fé e floresta

 

O banho de cheiro é montado com ingredientes como arruda, manjericão, alecrim, jasmim, patchouli, alfazema e a típica priprioca — uma raiz amazônica de perfume terroso e poderoso. As misturas são feitas com água morna ou álcool de cereais, às vezes com toques florais ou cítricos, e acompanhadas de instruções precisas: o melhor horário do dia, a oração ideal, a forma de aplicar.

A movimentação nas barracas aumenta na véspera e no dia de São João. Em poucos minutos, a feira se transforma num grande corredor de aromas. Famílias inteiras compram seus banhos já preparados ou levam as ervas para fazer em casa, seguindo as receitas ensinadas por mães, avós e vizinhas.

“Tem banho pra atrair cliente, pra tirar cansaço, pra acalmar criança. É a floresta ensinando como viver melhor”, comenta uma das erveiras, entre um maço de folhas verdes e garrafas de essência artesanal.

Tradição viva, identidade forte

 

O banho de cheiro é mais que um costume: é um símbolo de identidade, resistência e fé. Ele carrega o saber das mulheres que aprenderam a reconhecer o poder de cada folha, e traduz o modo como a cultura amazônica se relaciona com a natureza — não como cenário, mas como fonte de cura, proteção e renovação.

Além do São João, o banho é também ritual comum em datas como o Círio de Nazaré e a virada do ano, ou em momentos pessoais de recomeço. Mas no 24 de junho, ele ganha um brilho especial. É o dia em que o santo casamenteiro encontra as rezas da floresta. É quando tradição e perfume se unem para celebrar o que há de mais profundo: o desejo de viver bem.