Brasília recebe peças sobre Virginia Woolf e sobre os bastidores do teatro

Espetáculos entram em cartaz na quinta-feira (13/3), no CCBB e na Caixa Cultural, trazem ao palco história de Virgínia Woolf e uma encenação sobre os bastidores do teatro

Histórias que mesclam vida pessoal, biografia e os bastidores da dramaturgia se cruzam em duas peças em cartaz na cidade a partir de amanhã. No Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Sangue reflete sobre questões como autoria, machismo e colonialismo na cena do teatro no Brasil e no mundo. Na Caixa Cultural, Virginia traz Claudia Abreu na pele de Virginia Woolf em um monólogo sobre a trajetória da escritora.

Kiko Marques transformou uma experiência traumática em peça ao contar a história de um grupo de atores que se veem impedidos de prosseguir uma montagem quando os direitos autorais da peça na qual trabalhavam são cancelados arbitrariamente. “A gente tinha um projeto, esse projeto foi aprovado, e, no meio, com o dinheiro quase em conta, o projeto foi cancelado de forma meio autoritária, sem explicação. Por conta desse evento, veio a ideia de falar sobre isso”, explica o dramaturgo.

Sangue trata então dos próprios bastidores do teatro, de relações de poder que ultrapassam fronteiras e trazem, inclusive, um ar de colonialismo. “A gente decidiu falar sobre nossa aldeia. A gente faz uma inversão da abertura da quarta parede: a plateia passa a ver nossos bastidores, nossa casa, nossa alma de artista, nosso pequeno mundo e, a partir desse pequeno mundo, enxerga as relações de poder”, avisa o diretor. Abrir as portas para falar de problemas da cena teatral é um tabu, segundo Marques, porque é uma forma de convidar o público a transitar pelos meandros do lado negativo da profissão. É complicado, ele garante, mas necessário.

O machismo também está em cena na figura de um diretor que controla os direitos autorais da montagem. “A peça toca na questão do machismo, do poder masculino sobre a mulher, diretamente. O poder é exercido por esse homem machista que precisa ser o centro das decisões, do pensamento, e não admite que uma mulher tome essa função”, explica o diretor. O texto aborda o que Kiko chama de neocolonialismo intelectual e a superioridade pretensa de um pensamento eurocentrista em relação à cultura latina. Rogério Brito, no papel do diretor, foi indicado ao Prêmio Shell 2025 na categoria Melhor Ator.

Na pele de Virginia Woolf

O primeiro contato de Cláudia Abreu com Virginia Woolf foi também a primeira experiência de teatro adulto da atriz. No elenco, além de Cláudia, estavam Fernanda Torres, Júlia Lemmertz e Otávio Muller. Mas é em versão solo, em um monólogo, que ela sobe ao palco a partir de amanhã na Caixa Cultural para falar exatamente da autora de Mrs. Dalloway. Virginia, a peça, é um texto da própria Claudia, que contou com a direção de Amir Haddad e de Malu Vale.

A atriz passou cinco anos lendo a obra da escritora inglesa e trabalhando no texto, que é uma junção de biografia com releitura dos romances escritos por Virgínia. A estreia ocorreu em 2022, e Cláudia acumula apresentações por todo o Brasil. “Fui atrás da vida dela para além do clichê da mulher que se matou. E a vida era tão extraordinária quanto a obra, uma vida de muitas superações”, conta. “Por meio da vida dela, eu poderia falar de vários assuntos como saúde mental, opressão feminina, feminismo, a dor da criação, a síndrome da impostora, o grupo bloomsbury e de como ela se formou, apesar das adversidades e dos abusos, como conseguiu fazer uma obra brilhante.”

A peça começa com a morte de Virginia. Foi esse ponto de partida o responsável por definir o texto como um monólogo, formato pelo qual Cláudia nunca havia se entusiasmado até então. “Como atriz, eu não tinha desejo de fazer monólogo, eu gosto do coletivo,de contracenar com atores. O que se tornou fundamental para o monólogo é que parto do momento da morte”, explica. A escrita de Virginia Woolf tem como marca a ideia do fluxo de consciência narrativo, uma forma de escrever da qual ela foi precursora. Para trazer essa característica para o texto, Claudia criou uma estrutura dramatúrgica análoga à forma de escrever da autora. “Sou a Virgínia, mas também todos os outros fluxos dentro da cabeça dela. Ela se matou porque não conseguia parar de ouvir vozes”, conta a atriz.

Virginia Woolf sofria de depressão e viveu em uma época na qual a sociedade costumava relegar as mulheres à cena doméstica e os vulneráveis, aos hospícios. Temas como a opressão feminina e a saúde mental aparecem no monólogo como uma experiência que ajuda a moldar a vida da escritora. “Ela tem uma visão muito sofisticada da existência e escreve de uma maneira tão poética, com tantas metáforas e ao mesmo tempo de maneira muito simples, com muita clareza no sentimento”, garante Claudia.” Às vezes, você tem uma percepção da vida e, quando coloca em palavras, aquilo se perde. Ela consegue transmitir coisas muito profundas e de maneira muito consciente, sem perder nada da percepção sensível.”

Sangue

Com Carol Gonzalez, Leopoldo Pacheco, Marcos Suchara e Rogério Brito.

Direção: Kiko Marques.

Amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 18h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB – Asa sul Trecho 2). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

Virginia

Com Cláudia Abreu.

Direção: Amir Haddad e Malu Vale.

Amanhã, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 17h,na Caixa Cultural Brasília (SBS –Quadra 4 – Lotes ¾).

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos

Fonte: Correio Braziliense

 

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