Cobogó: a ‘invenção’ brasileira de 100 anos que pode ser aliada hoje contra o calor intenso
Peça tem sido redescoberta por arquitetos nos últimos anos e é vista com potencial de refrescar ambientes em tempos de calor extremo.
Mas o que faria esse prisma retangular de concreto entrar na história da arquitetura brasileira está apenas em dois dos lados de sua fachada.
Em vez de ser uma caixa-d’água comum, com quatro lados “cegos” (sem nenhuma abertura), o prédio projetado pelo arquiteto Luiz Nunes utiliza um elemento construtivo que havia sido criado no Recife alguns anos antes: o cobogó.
Era a primeira vez que um edifício de expressão aparecia “vazado” – um estilo que seria replicado nas décadas seguintes em dezenas de prédios do Rio de Janeiro, de Brasília e de São Paulo, além de casas Brasil afora.
Depois de cair em certo esquecimento, a peça tem sido redescoberta por arquitetos nos últimos anos e é vista com potencial de refrescar ambientes em tempos de calor extremo – neste fim de semana, o Brasil enfrenta sua sexta onda de calor do ano, segundo a Climatempo, com temperaturas acima acima de 40 graus em várias localidades.
É que o cobogó faz uma barreira contra o Sol, ao mesmo tempo que deixa passar alguma luminosidade. Também oferece alguma privacidade para quem está dentro, que consegue ver quem está fora.
E, o mais importante, permite que o vento circule.
Essa peça, que surgiu na indústria da construção pernambucana, acabou fazendo parte de estratégias usadas pelos arquitetos modernistas do século 20 para amenizar o calor em épocas em que o ar-condicionado não havia se popularizado ou sequer sido introduzido no Brasil.
“Ele pode criar uma zona de proteção ou de transição num edifício, funcionando como ‘colchão’ de ar”, explica a arquiteta Guilah Naslavsky, especialista em modernismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“O cobogó é uma solução bioclimática, um ícone que combina a sustentabilidade com a poética da arquitetura brasileira”, afirma Marcella Arruda, co-curadora da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em cartaz no Pavilhão da Oca, no Ibirapuera, e que tem como tema o clima e o futuro das cidades.
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A Caixa D’Água de Olinda, que tem um elevador e um mirante para turistas, está fechado e sofre com problemas de manutenção – nem a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), dona do prédio, nem a prefeitura de Olinda, que gere o local, deram previsão para a reabertura ao público. — Foto: Vitor Tavares/BBC
Na caixa-d’água de Olinda, por exemplo, a fachada de cobogós, ao ser barreira de Sol e permitir a passagem de vento, auxiliava para amenizar o calor incidente nas tubulações, preservando e resfriando a temperatura das águas no tanque.
É uma “climatização passiva” que ocorre no edifício por si só.
Hoje, os prédios construídos no quente Recife, como em tantas cidades brasileiras, pouco utilizam dessas estratégias que fizeram na história ali.