Como aliança entre Trump e big techs aumenta pressão sobre governo Lula e STF

Uma das fileiras de assentos na cerimônia de posse do presidente norte-americano Donald Trump, na segunda-feira (20/01), servia como uma espécie de pôster de uma das faces do novo governo dos Estados Unidos.

Na mesma fileira, estavam Mark Zuckerberg, chefe da Meta, Jeff Bezos (fundador da Amazon), Elon Musk (dono da rede social X) e outros executivos de grandes empresas de tecnologia como Tim Cook, chefe da Apple.

Juntos, eles controlam empresas avaliadas em trilhões de dólares e, nos últimos anos, fizeram gestos de apoio a algumas das bandeiras de Trump e de extrema importância para eles mesmo: a não-regulação das redes sociais.

No Brasil, a demonstração de apoio das chamadas big techs (grandes empresas de tecnologia) ao novo governo Trump, contudo, tem o potencial de colocar o país em uma situação desconfortável.

De um lado, o presidente da maior potência econômica e militar do mundo, apoiado por algumas das maiores empresas de tecnologia do planeta, defende menos regulação do setor sob o argumento de que, assim, estaria assegurando a liberdade de expressão.

Entre as primeiras medidas assinadas por Trump logo na segunda-feira está uma ordem executiva postergando por 75 dias a proibição ao TikTok nos EUA, prevista em uma lei ratificada por decisão judicial.

Além disso, assinou uma ordem intitulada “Restaurando a liberdade de expressão e acabando com a censura federal”.

Ela determina, por exemplo, que funcionários do governo e verbas públicas não podem estar envolvidos em atos que possam cercear a liberdade de expressão.

“O procurador-geral […] investigará as atividades do governo federal nos últimos 4 anos que sejam inconsistentes com os propósitos e políticas desta ordem e preparará um relatório a ser submetido ao Presidente […]” ordena a medida assinada por Trump, voltando-se a atos do governo de Joe Biden.

Do outro lado, o governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma ala majoritária do Supremo Tribunal Federal (STF) sustentam que o funcionamento das redes sociais precisa ser regulamentado no país sob o argumento de que, sem isso, o ambiente virtual estaria exposto a abusos do direito à liberdade de expressão e seria propício ao extremismo.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que os primeiros sinais enviados por executivos de big techs e de membros da atual administração norte-americana vão na direção contrária à adotada pelo governo brasileiro e que os Estados Unidos podem, inclusive, tentar exercer pressão sobre o governo brasileiro.

O objetivo seria minar iniciativas contrárias às big techs e aos interesses do governo Trump.

Eles destacam, porém, que não há sinal de que a atual administração petista e o STF possam mudar de posição nos próximos dois anos.

Regular ou não regular? Eis a questão

O cerne da discordância entre, de um lado, o governo brasileiro e a ala majoritária do STF, e de outro, a atual administração Trump e big techs, resume-se, em grande medida, em uma palavra: regulação.

O governo brasileiro e parte do STF defendem que as redes sociais sejam alvo de algum tipo de regulação para operar no Brasil.

Essa regulação, segundo o governo, não resultaria em censura prévia, mas teria como objetivo responsabilizar as plataformas pela difusão de conteúdos ofensivos, violentos ou que atentem contra pilares da democracia. Políticos de direita e empresas do setor, no entanto, argumentam que a regulamentação poderia levar a uma violação do direito à liberdade de expressão.

A regulação das plataformas digitais vem sendo discutida no Congresso Nacional desde 2020 e, durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato Lula defendeu a medida.

Em abril de 2023, o governo chegou a enviar uma minuta de projeto de lei sobre o assunto para ser discutida junto ao projeto de lei nº 2630/2020, também conhecido como PL das Fake News.

Inicialmente, o governo sugeriu a criação de uma agência para fiscalizar o cumprimento da lei. O relatório final deixou de fora essa sugestão e estabeleceu obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca na sinalização e retirada de contas e conteúdos considerados criminosos.

Em 2023, o projeto estava pronto para ser votado, apesar da contrariedade de políticos de direita que argumentavam que a nova lei poderia prejudicar a liberdade de expressão. Naquele ano, porém, empresas de tecnologia promoveram uma campanha junto a parlamentares e a população contra a votação do projeto, cuja votação acabou adiada.

À época, o então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, Paulo Pimenta, disse que a ação das big techs era mais uma amostra da necessidade de regular o setor.

“Há necessidade de uma regulação. Não é possível que o país fique refém. Neste momento, eles estão defendendo isso para preservar seu interesse econômico, mas eles podem usar essa máquina para decidir qualquer questão, inclusive para influenciar o processo democrático e soberano de qualquer país”, disse Pimenta.

E enquanto o Congresso não colocou o projeto em votação, no STF, duas frentes sobre o assunto foram adiante.

A primeira se deu ao longo de 2024, quando aumentaram as tensões entre a Corte e o X de Elon Musk. No dia 30 de agosto, após a empresa destituir seu representante legal no país e não cumprir ordens da Corte para a retirada de conteúdo considerado ilegal, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão do funcionamento da rede no Brasil por tempo indeterminado.

A situação gerou reações de Musk nas redes sociais. O empresário classificou a medida como um atentado à liberdade de expressão e disse que Moraes teria atuado para interferir nas eleições de 2022.

“Há evidência crescente de que um juiz falso @Alexandre se envolveu em interferência eleitoral séria, repetida em deliberada na última eleição presidencial do Brasil. Pela lei brasileira, isso significaria até 20 anos de prisão”, disse Musk em uma postagem.

Apesar das críticas a Moraes, o STF confirmou, em plenário, as decisões do magistrado, numa demonstração de apoio à sua atuação no caso.

A situação durou até meados de outubro, quando Moraes determinou que o X poderia voltar a operar no Brasil.

A segunda frente aberta pelo STF em relação às big techs foi a retomada, em dezembro, do julgamento sobre as obrigações das plataformas digitais em relação ao conteúdo que é postado nelas.

O centro da discussão é o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014.

Atualmente, o texto prevê que as empresas só podem ser responsabilizadas por publicações de seus usuários se não retirarem o conteúdo após decisão judicial.

Um recurso do Facebook, porém, questiona uma condenação após uma dona de casa ter sido vítima de um perfil falso sobre ela com conteúdo ofensivo.

Em outro recurso, desta vez do Google, a empresa questiona sua responsabilidade para a retirada de conteúdo de uma comunidade da rede Orkut.

Nos dois casos, as big techs são contra tanto a obrigação de retirar o conteúdo quanto a condenação.

Matéria completa em: BBC News Brasil

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *